Por Francisco Viana
As cabeças de Luiz XVI e Marie Antoinette rolaram antes de serem decepadas pela lâmina afiada da guilhotina. Isto porque a Revolução Francesa começou bem mais cedo que tomada da Bastilha pelas massas populares. Seu ponto de partida foi a dessacralização da realeza que passou a ser alvo de críticas e descrédito nas feiras, nas ruas e nos bares, em qualquer lugar onde a gente comum francesa pudesse se encontrar. Embora não tenha sido o estopim de nenhuma revolução, o caso Palocci lembra o fenômeno do falar mal do governo e do descrédito. Não apenas com relação ao ministro da Casa Civil, que acabou caindo, mas, sobretudo, no que diz respeito ao governo Dilma Rousseff.
Quais a lições a colher? Primeiro, a questão humana: no fugaz espaço de cinco anos, Palocci perdeu dois cargos capitais para o País e para a sua carreira. De prefeito de Ribeirão Preto, tornou-se respeitado ministro da Fazenda e ministro da Casa Civil, em ambos os casos uma das personalidades mais proeminentes da vida brasileira. Como lidar com tão rápida ascensão e agônica queda? Essa a primeira lição: quanto maior a força do homem público, maior a vulnerabilidade. Não existe blindagem quando a dialética entre a verdade e o desprezo pelos fatos pende para a segunda alternativa. Se surgem as crises, estas precisam ser superadas pela demonstração da verdade factual, nunca pelo convencimento.
Essa dialética nasceu na Atenas do século V a.C, quando a liberdade política criou condições para a liberdade de pensamento e expressão. Mas sempre mediadas não pela retórica do convencimento, mas pelo conhecimento. Era o que os gregos definiam como a ideia do Bem, isto é, a preponderância da razão dos fatos sobre a ilusão das opiniões. Uma evidência tão antiga quanto a democracia, mas que é geralmente esquecida ou relegada a plano secundária.
A seguir, pode-se alinhar o vigor da imprensa tradicional. Não o simples vigor como fiscal do poder. Um vigor mais amplo, se analisado à luz da realidade. Espetaculosa ou sensacionalista, pouco profunda ou de alcance limitado pelos compromissos econômicos, a verdade é a que imprensa brasileira, a cada dia, revela-se mais necessária à vida política como contra-poder ou polo de crítica ao poder. Se Maquiavel enalteceu a República Romana por reunir, num mesmo modelo, a aristocracia, a realeza e o povo, esta é uma referência para as modernas democracias. Precisam ser includentes, não excludentes, sobretudo se o tema é imprensa. Democracia é isso: pluralidade de visões de mundo, pluralidade de crítica. No caso Palocci, mais uma vez a imprensa cumpriu o seu papel. Afirmou-se como interlocutora ativa do regime democrático, em particular se viermos a construir uma democracia de multidões.
A revitalização do governo Dilma é a terceira lição do caso Palocci. Não se pode negar: há uma crise de imagem-reputação-identidade que eclodiu e não vai terminar com a simples renúncia de Palocci. Houve demora para enfrentar, de cara, o problema. Fosse diferente, o ministro não teria agonizado no cargo. A presidente, vista como uma gestora eficaz, ficou na alça de mira dos críticos. Ou, mesmo daqueles que a apoiam e admiram. Crises são reações em cadeia. Exigem intervenções cirúrgicas: rápidas, precisas, com estratégia bem definida para evitar que imagens e reputações se danifiquem e, como desdobramento, a identidade seja colocada em questão.
Foi o que aconteceu na França pré-revolucionário. O rei e a rainha não perceberam que estavam perdendo créditos preciosos no terreno da comunicação. Simplesmente, deixaram que a burguesia revolucionária, então em ascensão, saísse do anonimato para as ruas. No caso brasileiro, o desafio é outro. Existe tendência em se atribuir a responsabilidade pela crise às conspirações. Parte desse fenômeno seria atribuído à imprensa, vista com desconfiança pelas correntes à esquerda. Não explica, porém, o que objetivamente acontece nos bastidores do poder. É necessário informar de maneira coerente, clarificar. Inclusive provar se existe ou não conspiração. É o que se poderia chamar de fatos da razão e razão dos fatos, com este último conceito lançando luzes sobre a verdade dos fatos. No caso Palocci, não houve transparência, ficaram as perguntas: por que não explicar, detalhadamente, as origens do enriquecimento? Quais foram os seus clientes? Que serviços prestou quando era deputado federal? Nada disso foi esclarecido.
Ensina a boa gestão de crises que não se pode criar um problema dentro do problema e, o que é igualmente relevante, que o pós-crise é tão essencial quanto a crise. São princípios universais, mas que geralmente são esquecido. Há no imaginário político brasileiro a crença de que a sociedade carece de memória. Não é verdade, em particular agora com a emergência das redes sociais. Fosse diferente, o próprio PT não teria hesitado em apoiar Palocci, nem o governador baiano, Jaques Wagner, teria disparado o tiro de misericórdia com a afirmação publica de que o então ministro estava prejudicando a vida política brasileira e que sua fortuna chamava atenção.
O que significa trabalhar o pós-crise? Uma agenda positiva torna-se premente - a crise se enfrenta com uma chuva de boas notícias - , mas é imprescindível criar padrões para o exercício da vida pública. A começar pela punição clara ao tráfico de influência. O critério de igualdade deve prevalecer para todos. Pois no tribunal da opinião pública, não cabem recursos. Cabem apenas os fatos. E os fatos podres, mentirosos, artificiais sempre são expulsos pelos fatos concretos, inquestionáveis, duros como a verdade.
* Francisco Viana é jornalista, mestre em filosofia política pela PUC-SP, consultor de empresas e autor do livro Hermes, a divina arte da comunicação.
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