Por
Carlos Victor Costa
Era uma vez um reino muito feliz com um rei muito amado.
Tudo estava bem, as pessoas tinham dinheiro, tinham sonhos e seu rei era
ousado, jovem e justo. Mas o tempo passou e as coisas mudaram: as pessoas
deixaram de ter dinheiro, empregos, começaram a se preocupar com seus sonhos e
não eram mais felizes. Enquanto isso, o rei envelheceu, mas continuou fazendo o
que reis geralmente mais gostam de fazer como caçar e se divertir na companhia
de ricos e de gente bonita.
Infelizmente, enquanto caçava elefantes na África (terra
exótica de Simba, O Rei Leão) algo inesperado aconteceu: ele errou o tiro e se
acidentou. Quebrou o quadril, os sonhos das pessoas - e sua imagem de ousado,
jovem e justo
O que parece ser um final triste para um conto de fadas
improvável, é pura verdade. O rei Juan Carlos I da Espanha sofreu um acidente
enquanto caçava elefantes em Botswana, fato que recebeu grande cobertura da
imprensa internacional na semana passada e nos deixou com algumas lições sobre
a gestão de crises durante os tempos difíceis que estamos vivendo. A principal
delas tem a ver com algo que eu ouvi pela primeira vez de Richard Edelman
chamado a 'dialética entre controle e credibilidade'. As instituições e
empresas passam por um momento difícil para administrar essa dialética. Como
manter segredos em segredo, ao mesmo tempo em que se mantém a imagem pública de
uma forma coerente, alinhando a imagem às expectativas dos stakeholders? A
época de crise em que vivemos exige maior sensibilidade das empresas, a fim de
manter as coisas azeitadas na arena pública, algo que, aparentemente, foi
esquecido neste exemplo.
Podemos aprender com o caso real algumas lições
interessantes que explicam as forças por detrás da luta dialética entre o
controle das mensagens e a construção da credibilidade:
1) O segredo não existe mais
Um dos aspectos mais chocantes sobre esta crise (pessoal e
institucional para a realeza espanhola e para o próprio país) foi que,
aparentemente, a viagem do rei não foi comunicada (como a lei exige) ao chefe
de Governo (a Espanha é uma monarquia parlamentar). No entanto, uma vez que o
acidente aconteceu, a viagem chamou a atenção de imediato em um mundo ávido por
notícias como esta. Má gestão de risco.
2) A empatia deve ser real, caso contrário, é apenas
propaganda real
A Espanha tem a taxa mais alta de desemprego da Europa, um
em cada quatro espanhóis em idade de trabalhar não têm um emprego. O Governo
está colocando em prática um plano de recuperação radical, que inclui medidas
muito impopulares, como aumento de impostos e cortes na saúde e educação, entre
outros gastos públicos. Como sabemos, nas democracias modernas, a monarquia é
vista como algo que não é absolutamente necessário, mas que tampouco está mal,
pois é uma instituição que unifica um país, um símbolo cultural, como na
Grã-Bretanha.
E, na verdade, para
ser justo, o rei Juan Carlos I é percebido como algo mais do que apenas um
símbolo, ele teve uma trajetória impecável em momentos cruciais da história
recente da Espanha (como quando defendeu a democracia durante um golpe
militar). No entanto, embora ninguém espere que a família real passe a voar em
classe econômica agora, caçar elefantes não é exatamente uma boa mensagem para
se transmitir em tempos como estes. Má gestão de reputação.
3) Tudo está conectado
T
al como a família real britânica há 15 anos, a primeira
família da Espanha está passando por seu inferno astral nos últimos meses. O
genro do rei está sendo investigado por fraude fiscal em um caso de grande
repercussão, e há duas semanas, o neto do rei deu um tiro no pé (o garoto tem
13 anos e legalmente não poderia portar uma arma). Eu só consigo lembrar, nos
últimos anos do CEO da BP, Tony Hayward, e seu grande talento para fazer as
coisas erradas no momento certo (o meu post sobre isso). Não era possível o rei
adiar a viagem? Má gestão de timing.
Outros aspectos:
Para piorar as coisas, esse imbróglio trouxe à tona dois
aspectos adicionais:
a) O fato de que Juan Carlos I era presidente honorário do
World Wildlife Fund não ajudou a melhorar as coisas. Através de um site de ativismo
on-line chamado Actuable, mais de 80 mil pessoas solicitaram a WWF que
cancelasse o papel do rei como presidente honorário da instituição. No final da
semana passada, a WWF Espanha votou por unanimidade para que isso acontecesse.
As redes sociais foram outra peça-chave na amplificação do assunto e, claro, o
tema foi trending topics nacional.
b) Por fim, a organizadora do safári foi uma bela princesa
alemã e as fofocas em torno desta sugerem uma possível relação mais próxima do
que a devida entre ela e o rei, apimentando as coisas um pouco mais. O jornal
alemão Bild mostrou uma foto dos dois em uma viagem oficial. Como terminou tudo
isso?
Em um gesto sem precedentes, Juan Carlos I deixou o hospital
e, em uma declaração rápida, pediu desculpas ao povo em um típico "pisei
na bola, me desculpe, nunca mais vai acontecer de novo". Como a imprensa
daqui comentou, os espanhóis tem uma relação difícil em aceitar a culpa, e tal
atitude pode abrir um precedente incrível, fazendo as pessoas verem a realidade
de uma perspectiva diferente: se até um rei pode cometer erros, pessoas comuns
também podem, e reconhecer os erros é o primeiro passo para mudar as coisas
para melhor, sobretudo agora que o país precisa mudar tantas coisas. Seria
ótimo se isso realmente acontecesse e até seria uma bonita moral da história.
Ou não?
Alguns analistas, como o respeitado acadêmico Manual
Castells, acham que Juan Carlos I perdeu definitivamente a autoridade outorgada
por seus súditos, e escreveu um artigo feroz pedindo ao rei que abdicasse, o
tema também é combustível altamente inflamável no âmbito político.
Outros (como eu)
observam que dizer "sinto muito" se tornou uma moeda desvalorizada:
todo mundo se diz arrependido. Políticos (como Clinton) já disseram isso, CEOs
(como o citado de BP) também já pediram desculpas, jogadores de alto nível
(como Tiger Woods) já pediram desculpas. É isso algo verdadeiro ou apenas uma
maneira mais fácil de tentar enganar a opinião pública? A credibilidade pode
ser recuperada apenas dizendo "sinto muito"?
O triste é ver que no
Brasil nem isso, pedir desculpas, acontece: a opinião pública é solenemente
ignorada, nossas "autoridades" têm uma capacidade impressionante de
ser cínicas e justificar tudo, inclusive o injustificável pelos padrões mais
aceitos de uma sociedade civilizada moderna (não foi no Brasil em que se
inventou o "rouba, mas faz"?).
Voltando à Espanha. Em geral, eu acho que as pessoas aceitam
bem um pedido de desculpas (se sincero), como um primeiro passo, mas as coisas
realmente tem de mudar a fim de recuperar a confiança, caso contrário, a
reputação será manchada definitivamente. No entanto, os sentimentos positivos
em relação a pessoa ou empresa podem desempenhar um papel importante no
resultado final.
Quero dizer, se nada de ruim acontecer novamente, tudo volta
à normalidade e a questão será considerada como a história ruim que todo mundo
prefere não falar em um almoço familiar. Outras pessoas vão simplesmente
esquecer toda a confusão e ver a história como outra curiosidade de gente rica
e do seu estilo de vida extravagante. Passemos ao próximo escândalo. Os
elefantes, por outro lado, tendem a ter melhor memória: não se esquecem
facilmente.
Carlos Victor Costa é diretor da consultoria de social media
espanhola Territorio Creativo e professor de reputação online em Madri. Blog:
www.carlosvictorcosta.com