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quarta-feira, 25 de abril de 2012

GESTÃO DE CRISES EM TEMPOS DE CRISE; LIÇÕES DE REIS E ELEFANTES

Por  Carlos Victor Costa

Era uma vez um reino muito feliz com um rei muito amado. Tudo estava bem, as pessoas tinham dinheiro, tinham sonhos e seu rei era ousado, jovem e justo. Mas o tempo passou e as coisas mudaram: as pessoas deixaram de ter dinheiro, empregos, começaram a se preocupar com seus sonhos e não eram mais felizes. Enquanto isso, o rei envelheceu, mas continuou fazendo o que reis geralmente mais gostam de fazer como caçar e se divertir na companhia de ricos e de gente bonita.
Infelizmente, enquanto caçava elefantes na África (terra exótica de Simba, O Rei Leão) algo inesperado aconteceu: ele errou o tiro e se acidentou. Quebrou o quadril, os sonhos das pessoas - e sua imagem de ousado, jovem e justo
O que parece ser um final triste para um conto de fadas improvável, é pura verdade. O rei Juan Carlos I da Espanha sofreu um acidente enquanto caçava elefantes em Botswana, fato que recebeu grande cobertura da imprensa internacional na semana passada e nos deixou com algumas lições sobre a gestão de crises durante os tempos difíceis que estamos vivendo. A principal delas tem a ver com algo que eu ouvi pela primeira vez de Richard Edelman chamado a 'dialética entre controle e credibilidade'. As instituições e empresas passam por um momento difícil para administrar essa dialética. Como manter segredos em segredo, ao mesmo tempo em que se mantém a imagem pública de uma forma coerente, alinhando a imagem às expectativas dos stakeholders? A época de crise em que vivemos exige maior sensibilidade das empresas, a fim de manter as coisas azeitadas na arena pública, algo que, aparentemente, foi esquecido neste exemplo.
Podemos aprender com o caso real algumas lições interessantes que explicam as forças por detrás da luta dialética entre o controle das mensagens e a construção da credibilidade:
1) O segredo não existe mais
Um dos aspectos mais chocantes sobre esta crise (pessoal e institucional para a realeza espanhola e para o próprio país) foi que, aparentemente, a viagem do rei não foi comunicada (como a lei exige) ao chefe de Governo (a Espanha é uma monarquia parlamentar). No entanto, uma vez que o acidente aconteceu, a viagem chamou a atenção de imediato em um mundo ávido por notícias como esta. Má gestão de risco. 

2) A empatia deve ser real, caso contrário, é apenas propaganda real
A Espanha tem a taxa mais alta de desemprego da Europa, um em cada quatro espanhóis em idade de trabalhar não têm um emprego. O Governo está colocando em prática um plano de recuperação radical, que inclui medidas muito impopulares, como aumento de impostos e cortes na saúde e educação, entre outros gastos públicos. Como sabemos, nas democracias modernas, a monarquia é vista como algo que não é absolutamente necessário, mas que tampouco está mal, pois é uma instituição que unifica um país, um símbolo cultural, como na Grã-Bretanha.
E, na verdade, para ser justo, o rei Juan Carlos I é percebido como algo mais do que apenas um símbolo, ele teve uma trajetória impecável em momentos cruciais da história recente da Espanha (como quando defendeu a democracia durante um golpe militar). No entanto, embora ninguém espere que a família real passe a voar em classe econômica agora, caçar elefantes não é exatamente uma boa mensagem para se transmitir em tempos como estes. Má gestão de reputação.

3) Tudo está conectado
Tal como a família real britânica há 15 anos, a primeira família da Espanha está passando por seu inferno astral nos últimos meses. O genro do rei está sendo investigado por fraude fiscal em um caso de grande repercussão, e há duas semanas, o neto do rei deu um tiro no pé (o garoto tem 13 anos e legalmente não poderia portar uma arma). Eu só consigo lembrar, nos últimos anos do CEO da BP, Tony Hayward, e seu grande talento para fazer as coisas erradas no momento certo (o meu post sobre isso). Não era possível o rei adiar a viagem? Má gestão de timing.

Outros aspectos:

Para piorar as coisas, esse imbróglio trouxe à tona dois aspectos adicionais:

a) O fato de que Juan Carlos I era presidente honorário do World Wildlife Fund não ajudou a melhorar as coisas. Através de um site de ativismo on-line chamado Actuable, mais de 80 mil pessoas solicitaram a WWF que cancelasse o papel do rei como presidente honorário da instituição. No final da semana passada, a WWF Espanha votou por unanimidade para que isso acontecesse. As redes sociais foram outra peça-chave na amplificação do assunto e, claro, o tema foi trending topics nacional.
b) Por fim, a organizadora do safári foi uma bela princesa alemã e as fofocas em torno desta sugerem uma possível relação mais próxima do que a devida entre ela e o rei, apimentando as coisas um pouco mais. O jornal alemão Bild mostrou uma foto dos dois em uma viagem oficial. Como terminou tudo isso?

Em um gesto sem precedentes, Juan Carlos I deixou o hospital e, em uma declaração rápida, pediu desculpas ao povo em um típico "pisei na bola, me desculpe, nunca mais vai acontecer de novo". Como a imprensa daqui comentou, os espanhóis tem uma relação difícil em aceitar a culpa, e tal atitude pode abrir um precedente incrível, fazendo as pessoas verem a realidade de uma perspectiva diferente: se até um rei pode cometer erros, pessoas comuns também podem, e reconhecer os erros é o primeiro passo para mudar as coisas para melhor, sobretudo agora que o país precisa mudar tantas coisas. Seria ótimo se isso realmente acontecesse e até seria uma bonita moral da história. Ou não?
Alguns analistas, como o respeitado acadêmico Manual Castells, acham que Juan Carlos I perdeu definitivamente a autoridade outorgada por seus súditos, e escreveu um artigo feroz pedindo ao rei que abdicasse, o tema também é combustível altamente inflamável no âmbito político.
Outros (como eu) observam que dizer "sinto muito" se tornou uma moeda desvalorizada: todo mundo se diz arrependido. Políticos (como Clinton) já disseram isso, CEOs (como o citado de BP) também já pediram desculpas, jogadores de alto nível (como Tiger Woods) já pediram desculpas. É isso algo verdadeiro ou apenas uma maneira mais fácil de tentar enganar a opinião pública? A credibilidade pode ser recuperada apenas dizendo "sinto muito"?

O triste é ver que no Brasil nem isso, pedir desculpas, acontece: a opinião pública é solenemente ignorada, nossas "autoridades" têm uma capacidade impressionante de ser cínicas e justificar tudo, inclusive o injustificável pelos padrões mais aceitos de uma sociedade civilizada moderna (não foi no Brasil em que se inventou o "rouba, mas faz"?).
Voltando à Espanha. Em geral, eu acho que as pessoas aceitam bem um pedido de desculpas (se sincero), como um primeiro passo, mas as coisas realmente tem de mudar a fim de recuperar a confiança, caso contrário, a reputação será manchada definitivamente. No entanto, os sentimentos positivos em relação a pessoa ou empresa podem desempenhar um papel importante no resultado final. 
Quero dizer, se nada de ruim acontecer novamente, tudo volta à normalidade e a questão será considerada como a história ruim que todo mundo prefere não falar em um almoço familiar. Outras pessoas vão simplesmente esquecer toda a confusão e ver a história como outra curiosidade de gente rica e do seu estilo de vida extravagante. Passemos ao próximo escândalo. Os elefantes, por outro lado, tendem a ter melhor memória: não se esquecem facilmente. 

Carlos Victor Costa é diretor da consultoria de social media espanhola Territorio Creativo e professor de reputação online em Madri. Blog: www.carlosvictorcosta.com